2010/01/02

O meu coração ficou lá!


Apesar de ser o país mais rico de África, Angola é e vai continuar a ser o país com maior índice de extrema pobreza

Foi dificil, muito dificil! Sofri como jamais poderia imaginar! Depois do terror, das rajadas e dos morteiros 81, o sangue e os corpos amontoados de gente e animais, alguns, ainda fumegando, queimados pelas chamas que fizeram desaparecer milhares de habitações das aldeias (Kimbos) por onde fui obrigado a passar quando, por entre a selva e savana, fugia á morte.

Foi a 10 e 11 de Junho de 1975 em Angola na fuga do Amboim no Cuanza-Sul, da Cidade da Gabela para o planalto central "Huambo", na altura designada pela cidade de Nova Lisboa, onde ficámos durante 3 meses, enquanto esperávamos pelo voo nº 191 da ponte aérea para refugiados de guerra. Durante esse tempo, no centro da cidede, não tinhamos a noção do que se estava a passar nos arredores, apesar de a todo o momento se ouvir rajadas de metralhadoras e bazucas que assobiavam e logo de seguida arrebentavam fazendo estremecer toda a cidade.

Aquele povo, pobre e humilde, mas rico de fé e esperança, esperança de liberdade e igualdede, povo do Huambo e Bailundo, eram mortos pelos seus irmãos do norte apoiados pelo armamento bélico e militares cubanos. A guerra civil em Angola passou a fazer parte dos media. Os conflitos na região do Huambo eram de revolta em virtude da centralização à volta desta cidade das forças politicas armados de ambas as facções em luta. O êxedo de civis que fugiam da zona em busca de sobrevivência, alguns partiam de avião, outros, sem condições infrahumanas, buscavam a sobrevivência para os lados de Benguela. Os relatos, que me chegavam poucos anos depois, eram de catástrofe dadas as condições da fuga, da marcha de cerca de 400 km até Benguela e finalmente até ao Lobito. Ali se formou um campo de concentração com cerca de 20.000 pessoas. Os relatos de sobrevivência eram impressionantes, nomeadamente os relatos da travessia do rio Catumbela, rio este infestado de crocodilos e que eu conheci. Barrada a única ponte, pelos militares, a travessia era feita por cordas passadas de uma a outra margem. Histórias de mães e filhos que terão perecido nesta travessia eram de horror. Ninguém sabe quantificar quantas as vítimas do rio mesmo sendo sobreviventes da caminhada. A informação que me chegavam, a esses campos de concentração, novas vítimas deste êxedo ostentando as marcas da tragédia. Mulheres e homens que pareciam farrapos humanos. Crianças gravemente desnutridas. Com 10 anos pesando cerca de 12 kg. Segundo o meu amigo Domingos Januário com quem mantinha contacto nos anos 80 e que lutava do lado da Unita e que chegou a fazer escolta a esta gente até próximo do campo de concentração, só visto realmente, contado nem dá para acreditar, segundo ele.

Também, segundo um amigo meu do concelho de Soure, que por volta do ano 2001 foi para aquela terra fazer o que fazia cá, cultivo de arroz, a corrupção está sempre presente onde quer que estejam disponíveis bens alimentares para apoio a estas tragédias. Esse amigo já saiu de Angola em 2007 e foi implantar-se, no mesmo ramo, em Moçambique. Segundo ele, em Angola não há condições para se trabalhar com a certeza de que se vai colher. Depois de 7 anos de trabalho, ao semear para colher, quando estava a iniciar a recuperação do envestimento, foi surpreendido por dois homens que se apresentaram como sendo do governo e disseram-lhe: Tem 24 sobre 20. Ele perguntou o que é que queriam dizer com aquilo. Responderam: Tem 24 horas para abandonar o país e tem 20 klg de roupa para levar.

É assim, porque actualmente quem não for corrupto e colaborar com o governo não se safa, segundo ele. Trabalhar dentro da honéstidade está fora de questão. Em Moçambique já assim não é! Moçambique acolheu todos os que tiveram de abandonar o Zimbabwe por altura em que Roberto Mugabe excitou os trabalhadores e disponiblizou forças governamentais para correrem com todos os fazendeiros brancos e, todos que ali chegam (a Moçambique) com vontade de fazer progredir o país são bem recebidos e apoiados pelo governo.

Angola está condenada e apesar de ser o país mais rico de África, em termos de matérias primas, é e vai continuar a ser cada vez mais o país com maior índice de extrema pobreza.

Angola, terra que resistiu a todas as convulções com o preço elevado da parte humana continua a ser a terra linda que sempre foi e que me vai na alma. Nos ultimos dias da minha vida, o melhor que me poderia acontecer, seria acabá-los lá, em Angola. Naquela terra onde mesmo com fome sorriem e são afáveis. Naquela terra onde o cheiro, o calor, os sons e as paisagens invadem a minha alma. Foi da cidade de Nova Lisboa, actual Huambo, que parti. Enquanto o avião se deslocava da pista, senti uma dor tão grande porque o meu corpo era arrancado daquele solo mas o meu coração ficava lá.

1 comentário:

  1. caro amigo jose estou lendo seu artigo e relmente e uma pena saber que angola esta indo por este caminho pois um pais sem democracia e igualdade social esta condenado ao abismo da violencia e pobreza acho que angola ja mudou muito desde que vc saiu de la guarde essa boas memorias pois a vida continua.boa sorte e um abraço.

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